Pedro Pereira Dos Santos Peres
A educação faz parte das condições para a existência digna de uma pessoa, sendo este o objeto do desenvolvimento deste trabalho.
Quando se fala em dignidade da pessoa humana parece difícil compreender o conteúdo que tal expressão veicula. Contudo, para que possamos verificar e experimentar sua íntima relação com a educação, precisaremos, ao menos, conhecer seu conteúdo mínimo, pois se trata de uma expressão que contém valores metajurídicos por ser bastante ampla e genérica.
Não pretendemos conceituar, definir ou esgotar o assunto acerca da dignidade da pessoa humana, mas procurar elementos que esbocem sua figura no âmbito jurídico constitucional e que auxiliem o desenvolvimento do presente trabalho. Assim, entendemos que dignidade da pessoa humana veicula, entre outros, o seguinte valor: todo ser humano é uma pessoa, dotado de personalidade, com direitos e deveres, membro da sociedade em que vive e merecedor de uma existência humana, e não sub-humana.
Esta afirmação implica em condições mínimas para uma vida digna, para uma vida humana. Implica em possuir cada pessoa as condições mínimas de sustento físico próprio, bem como as condições mínimas para que possa participar da vida social de seu Estado, se relacionando com as pessoas que estão ao seu redor e que fazem parte da sociedade na qual vive. Esse mínimo já é tratado e reconhecido expressamente por alguns doutrinadores jurídicos nacionais. O Professor RICARDO LOBO TORRES denomina este mínimo de mínimo existencial dizendo:
"Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo" [1]
Já o Professor CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO, utiliza-se da denominação piso mínimo normativo para referir-se às condições sem as quais o homem não pode viver dignamente, indicando que tais condições estão expressas no art. 6º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos sociais à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados [2].
(art. 1º); Lei Constitucional da República da Letônia, de 10 de dezembro de 1991 (art. 1º); Constituição da República eslovena, de 23 de dezembro de 1991 (art. 21); Constituição da República da Estônia, de 28 de junho de 1992 (art. 10º); Constituição da República da Lituânia, de 25 de outubro de 1992 (art. 21); Constituição da República eslovaca, de 1º de setembro de 1992 (art. 12); Preâmbulo da Constituição da República tcheca, de 16 de dezembro de 1992; Constituição da Federação da Rússia, de 12 de dezembro de 1993 (art. 21) [5].
Nossa Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana, seguindo o movimento internacional de constitucionalização deste princípio. Não só o consagrou, mas colocou-o como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 1º, inciso III. Além de abarcar o princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal de 1988 trouxe, também o mínimo existencial ou o piso mínimo normativo, e suas garantias, de acordo com o entendimento da Assembléia Constituinte. Isto é percebido quando se faz uma interpretação sistemática da Constituição, o que vamos procurar desenvolver neste ponto do trabalho, pois a norma veiculada pelo princípio da dignidade da pessoa humana não se encontra isolada, mas inserida em um ordenamento jurídico constitucional, de modo que faz parte de um todo.
Retomemos, então, a questão do mínimo existencial, ou piso mínimo normativo. Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana uma norma jurídica constitucional, se reveste do caráter da imperatividade que possui as normas jurídicas em geral. Sendo imperativo, esse princípio precisa ser respeitado sob pena de acarretar conseqüências ao seu transgressor, e, necessário também se faz um meio capaz de tutelar este princípio na esfera judicial. Assim, a norma jurídica dotada de imperatividade que veicula o princípio da dignidade da pessoa humana deve possuir aplicabilidade, na medida em que exista conseqüência jurídica para seu transgressor e meios jurídicos de tutela jurisdicional da mesma.
Faz-se necessário, portanto, identificar quais as normas que o ordenamento jurídico constitucional apresenta para moldar e garantir na esfera jurídica a dignidade da pessoa humana, para garantir uma vida digna a todo e qualquer ser humano por ela tutelado, para garantir o mínimo existencial, ou piso mínimo normativo. Justamente neste ponto a educação vai ser inserida, ou seja, vai fazer parte deste mínimo existencial ou piso mínimo normativo, vai compor o conjunto de elementos que dão forma ao conteúdo mínimo da dignidade.
Cumpre ressaltar, neste ponto, que a educação faz parte deste mínimo, existindo outros direitos e garantias que o compõe, como os direitos individuais previstos no art. 5º da Constituição Federal, e os outros direitos sociais previstos no art. 6º da mesma Carta Magna. Contudo, por questões metodológicas e para que não escapemos do tema proposto para o presente trabalho, iremos tratar apenas da educação, não querendo dizer que os demais são menos importantes, pelo contrário.
Pois bem, nossa Constituição Federal, em seu art. 6º, consagra a educação como um direito social. Sendo um direito social, tem por objetivo criar condições para que a pessoa se desenvolva, para que a pessoa adquira o mínimo necessário para viver em sociedade, e é destinado, sobretudo, às pessoas mais carentes e necessitadas. [6] Assim, temos a educação como um dos componentes do mínimo existencial ou piso mínimo normativo, como uma das condições de que a pessoa necessita para viver em sociedade, para ter uma vida digna, sobretudo no que se refere ao ensino publico fundamental gratuito nos estabelecimentos oficiais de ensino, que se traduz como direito público subjetivo, como condição essencial para uma existência digna.
Neste sentido a lição do Professor RICARDO LOBO TORRES :
"Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive". [7] (grifo nosso).
Vejamos a posição do Professor CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO a respeito desse assunto:
"(...) para que a pessoa humana possa ter dignidade (CF, art. 1º, III) necessita que lhe sejam assegurados os direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdencia social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados) como "piso mínimo normativo", ou seja, como direitos básicos " [8]. (grifo nosso).
O Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA também comunga deste entendimento dizendo que a educação é um dos "(...) indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana" [9].
Cumpre também ressaltar uma das conclusões da Professora ANA PAULA DE BARCELLOS ao estudar o princípio da dignidade da pessoa humana:
"De acordo com um consenso lógico contemporâneo e com a própria sistemática da Constituição brasileira de 1988, uma proposta de concretização desses efeitos exigíveis diante do Poder Judiciário, sem os quais o princípio da dignidade da pessoa humana se considera violado, deve incluir: (i) ensino fundamental gratuito; (ii) prestações de saúde preventiva e (iii) assistência aos desamparados." [10] (grifo nosso).
Desta forma, para que cada ser humano seja considerado e respeitado como tal, é preciso que possua uma vida digna em atenção à sua dignidade. Se faz necessário esta atenção ao princípio da dignidade da pessoa para que o ser humano não seja transformado em mero objeto do Estado, pois o Estado existe em função do homem, e não o homem em função do Estado. Contudo, a dignidade da pessoa humana pressupõe algumas condições básicas de existência, dentre as quais a educação está inserida, conforme o próprio ordenamento jurídico constitucional preconiza (arts. 1º, III; 6º e 205).
Notas
1 Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 129, apud Ana Paula de Barcellos, Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 221, 2000, p. 180.
2 O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2.000. p. 14.
3 v. Ana Paula de Barcellos, Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 221,julho/setembro 2000, p. 162.
4 Ibid., mesma página.
5 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 219, janeiro/março 2000, p. 239.
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª rev. e atual.. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 289: "Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais."
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